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PLANOS DE SAÚDE - cobertura de tratamentos não previstos nas listas da ANS

  • kussleresilva
  • 4 de out. de 2024
  • 10 min de leitura

Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, seja um dos maiores e mais abrangentes do mundo, quando se trata de saúde, uma proteção adicional é apreciada pelos cidadãos. Assim sendo, muitos contratam planos de saúde junto à iniciativa privada, procurando uma maior segurança em suas necessidades em relação à sua saúde e a da sua família.

No entanto, quando ocorre da pessoa ficar doente e precisar de tratamento, muitas vezes há negativa de cobertura por parte dos planos de saúde, pois não estaria contemplado pela lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) um determinado material ou procedimento. Contudo, como veremos adiante, a negativa de cobertura com base nesse argumento não é válida, pois o rol de tratamentos da ANS não é taxativo, mas exemplificativo. 


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A saúde é um direito fundamental do cidadão, que vem plasmado no artigo 6º da Carta Magna, e insere-se no bojo dos direitos fundamentais de segunda geração. Inaugurando a Seção II, do Capítulo II, do Título VIII da CF/88, que trata da ordem social, está o artigo 196 da CF/1988, que prevê a saúde como um dever prestacional do Estado, organizado em um sistema único de saúde (SUS), conforme o artigo 198.

É livre, no entanto, a iniciativa privada para prestar a assistência à saúde, de forma complementar, conforme preconiza o artigo 199 da CF/88:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

A saúde, portanto, é um direito fundamental social, corolário da dignidade da pessoa humana, que deve ser garantido pelo Estado, mas que também pode ser alcançado ao cidadão pela iniciativa privada de forma complementar/suplementar.

A assistência complementar, por meio de plano de saúde privado, vem regulamentado pela Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Em seu artigo 1º, § 1º, está previsto que qualquer modalidade de produto, serviço e contrato de cobertura em assistência de saúde está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS):

 ART. 1º (...)

§ 1º  Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:  

        a) custeio de despesas; 

        b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada;  

        c) reembolso de despesas;  

        d) mecanismos de regulação;  

        e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos solicitados por prestador escolhido pelo consumidor; e 

        f) vinculação de cobertura financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico-assistenciais.  

Já o artigo 10, §§ 12 e 13, incisos I e II, da referida lei, que foram incluídos pela lei nº 14.454/2022, preveem que:

Art. 10 (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.     

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:    

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou     

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.  

     

Ou seja, estão subordinados os planos de saúde à regulamentação realizada pela ANS, devendo observar a referência básica fornecida pelo rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Ainda, caso haja prescrição do médico assistente de tratamento ou procedimento que não estejam previstos nesse rol, deverá a cobertura ser autorizada. Para isso, deve existir comprovação de sua eficácia, por meio de evidências científicas ou exista recomendação da CONITEC, ou, ainda, de órgãos de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional. 

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Além disso, conforme o artigo 5º, incisos II e VI da Resolução ANS 465/2021, deve-se observar o princípio da integralidade das ações e da utilização das melhores práticas, baseadas em evidências científicas. 


Art. 5º A atenção à saúde na saúde suplementar deverá observar os seguintes princípios:

(...)

II - integralidade das ações;

(...)

VI - utilização das melhores práticas, baseadas em evidências científicas.

O parágrafo único desse mesmo artigo ainda prevê que tais princípios devem ser observados em “todos os níveis de complexidade da atenção, respeitando-se as segmentações contratadas, visando à promoção da saúde, à prevenção de riscos e doenças, ao diagnóstico, ao tratamento, à recuperação e à reabilitação.”

Deflui da leitura dos artigos apontados que o rol de procedimentos e eventos em saúde, atualizado pela a ANS, não é taxativo, mas exemplificativo. Extrai-se, também, que devem ser observados os princípios da integralidade e das melhores práticas, visando a promoção da saúde e prevenção de riscos ao tratamento, recuperação e reabilitação. 

Ou seja, em sendo recomendado pelo médico assistente um tratamento mais apropriado, que ofereça menos riscos e seja mais adequado, bem como tenha respaldo científico, deverá ser garantida a cobertura pelo plano de saúde.

Esse é o entendimento do STJ:


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ANGIOPLASTIA. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. 1. A despeito do entendimento da Quarta Turma em sentido contrário, a Terceira Turma mantém a orientação firmada há muito nesta Corte de que a natureza do referido rol é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a exclusão de cobertura de procedimento no tratamento de doença coberta pelo plano de saúde 2. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para procedimento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedente. 3. Recurso especial desprovido. (RESP 1.898.343/SC, Rel, Min Nancy Andrigh, publicado em 04/03/2021) - grifei

No caso, da leitura do inteiro teor do julgado, é possível verificar que o STJ entende ser aplicável a legislação consumerista aos planos de saúde (súmula 608/STJ), não sendo cabível esperar que o consumidor, parte vulnerável na relação, seja capaz de conhecer toda a imensidão de procedimentos cobertos no ato da adesão ao contrato:


8. O rol de procedimentos e eventos em saúde (atualmente incluído na Resolução ANS 428/2017) é, de fato, importante instrumento de orientação para o consumidor em relação ao mínimo que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial mínima, na medida em que o contrato não se esgota em si próprio ou naquele ato normativo, mas é regido pela legislação especial e, sobretudo, pela legislação consumerista, com a ressalva feita aos contratos de autogestão.

9. Sob o prisma do CDC, não há como exigir do consumidor, no momento em que decide aderir ao plano de saúde, o conhecimento acerca de todos os procedimentos que estão ? e dos que não estão ? incluídos no contrato firmado com a operadora do plano de saúde, inclusive porque o rol elaborado pela ANS apresenta linguagem técnico-científica, absolutamente ininteligível para o leigo.Igualmente, não se pode admitir que mero regulamento estipule, em desfavor do consumidor, a renúncia antecipada do seu direito a eventual tratamento prescrito para doença listada na CID, por se tratar de direito que resulta da natureza do contrato de assistência à saúde.

10. No atendimento ao dever de informação, deve o consumidor ser clara, suficiente e expressamente esclarecido sobre os eventos e procedimentos não cobertos em cada segmentação assistencial (ambulatorial, hospitalar ? com ou sem obstetrícia ? e odontológico), como também sobre as opções de rede credenciada de atendimento, segundo as diversas categorias de plano de saúde oferecidas pela operadora; sobre os diferentes tipos de contratação (individual/familiar, coletivo por adesão ou coletivo empresarial), de área de abrangência (municipal, grupo de municípios, estadual, grupo de estados e nacional) e de acomodação (quarto particular ou enfermaria), bem como sobre as possibilidades de coparticipação ou franquia e de pré ou pós-pagamento, porque são essas as informações que o consumidor tem condições de avaliar para eleger o contrato a que pretende aderir.

11. Não é razoável impor ao consumidor que, no ato da contratação, avalie os quase 3.000 procedimentos elencados no Anexo I da Resolução ANS 428/2017, a fim de decidir, no momento de eleger e aderir ao contrato, sobre as possíveis alternativas de tratamento para as eventuais enfermidades que possam vir a acometê-lo.

12. Para defender a natureza taxativa do rol de procedimentos e eventos em saúde, a ANS considera a incerteza sobre os riscos assumidos pela operadora de plano de saúde, mas desconsidera que tal solução implica a transferência dessa mesma incerteza para o consumidor, sobre o qual passam a recair os riscos que ele, diferentemente do fornecedor, não tem condições de antever e contra os quais acredita, legitimamente, estar protegido, porque relacionados ao interesse legítimo assegurado pelo contrato.

13. A qualificação do rol de procedimentos e eventos em saúde como de natureza taxativa demanda do consumidor um conhecimento que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui nem pode ser obrigado a possuir; cria um impedimento inaceitável de acesso do consumidor às diversas modalidades de tratamento das enfermidades cobertas pelo plano de saúde e às novas tecnologias que venham a surgir; e ainda lhe impõe o ônus de suportar as consequências de sua escolha desinformada ou mal informada, dentre as quais, eventualmente, pode estar a de assumir o risco à sua saúde ou à própria vida.

14. É forçoso concluir que o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS tem natureza meramente exemplificativa, porque só dessa forma se concretiza, a partir das desigualdades havidas entre as partes contratantes, a harmonia das relações de consumo e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, de modo a satisfazer, substancialmente, o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo. (grifei)

O contrato de adesão, conforme o artigo 54 do CDC, é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar seu conteúdo de forma substancial. O § 3º desse mesmo artigo prevê a necessidade de clareza de tais contratos e o § 4º a de destaque de cláusulas limitativas.


 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 

    (...)

        § 3º  Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.    (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

        § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Diante disso, é possível compreender as razões trazidas pelo STJ para afastar a taxatividade do rol de procedimentos, pois o contrário é violar os direitos básicos do consumidor, que não possui condições de avaliar, no momento da contratação, todas as possibilidades de tratamento a que tem direito e, mais importante, a que não tem direito.     

   

Além disso, nos termos da Código Civil de 2002, ainda se pode verificar que a aplicação taxativa do rol da ANS pelos planos de saúde, incorreria em violação da função social do contrato (artigo 421), da boa-fé objetiva (422), devendo o contrato de adesão ser interpretado de forma mais favorável ao aderente, nos termos do artigo 423, que preconiza que quando “houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.

Nessa mesma linha segue o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:


AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO ESTADO/RS EM APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PEDIDO DO MEDICAMENTO "OMALIZUMABE", EM RAZÃO DO REQUERENTE SER DIAGNOSTICADO COM ASMA GRAVE. PACIENTE SEGURADO DA UNIMED. CONSIDERAÇÕES. 1. Parte autora segurada do plano de saúde UNIMED. Responsabilidade desta em custear as despesas com o tratamento, considerando a aprovação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que atualizou o rol de procedimentos e eventos em saúde com cobertura obrigatória. Rol taxativo por força de decisão do STJ nos ERESP1.886.929 e ERESP 1.889.704. 2. Considerações acerca da edição da Lei Nacional n. 14.454/2022, que altera a Lei nº 9.6561998 "e estabelece critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar". A referida lei não estava vigente quando do julgamento monocrático, porém a discussão travada com relação à taxatividade do rol de tratamentos e de procedimentos aprovados pela ANS, tem a ver com o interesse econômico das empresas que labutam na venda de planos de saúde, que não deve prevalecer diante da ordem constitucional vigente, pois o sistema constitucional visa à proteção da saúde e da vida da pessoa humana (art. 5º, caput, da CF/1988). Referiu-se, em outras oportunidades, que para ser constitucional quaisquer uma das restrições que haviam sido elencadas pelo STJ, elas deviam estar embasadas, obviamente, em um aspecto comprovado de que a pretensão não se encaixa dentro do sistema constitucional, considerando que a existência de um Estado Democrático de Direito e de Justiça Social é para manter a saúde e a vida das pessoas, pois sem a vida se quer vale a existência do Estado. 3. Seja pela interpretação sistemática do direito fundamental à saúde, como um direito fundamental à existência, seja pela Lei Nacional n. 14.454/2022, não há como afastar a responsabilidade do plano de saúde em responder, preliminarmente, pelo tratamento postulado nos autos. 4. Manutenção do uso da medicação ao paciente até a análise da matéria em ação específica a ser ajuizada em face da UNIMED, no prazo de sessenta dias a contar da intimação deste julgamento. Medida que busca concretizar a efetividade ea garantia do direito fundamental à vida. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 50021404020198210051, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em: 16-11-2022) - grifei


Assim sendo, por todo o exposto, conclui-se que o rol de procedimentos da ANS possui natureza exemplificativa, devendo o plano de saúde cobrir o tratamento prescrito pelo médico assistente quando inviável ou não recomendável alternativa terapêutica. Assim, a negativa de cobertura, quando presentes os requisitos legais e regulamentares, se mostra ilícita e passível de controle pelo judiciário.


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