Aposentadoria por Tempo Especial: Benzeno
- kussleresilva
- 25 de ago. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 28 de abr. de 2022
Resumo: O trabalho em ambiente em que estão presentes agentes tóxicos e cancerígenos, independentemente da intensidade ou frequência de contato do trabalhador, garante a contagem de tempo especial na aposentadoria – o que pode diminuir significativamente o tempo para a concessão do benefício. Como exemplo, cita-se várias decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores de setores administrativos do Polo Petroquímico de Triunfo/RS, inclusive aos trabalhadores de instituição bancária na planta. As decisões se basearam em laudo técnico produzido pela FUNDACENTRO, que detectou a presença de benzeno, uma substância cancerígena, por toda a planta.
O trabalho realizado sob certas circunstâncias, prejudiciais à saúde, dá ensejo ao reconhecimento do tempo especial para fins de aposentadoria. Os agentes de risco podem ser físicos, biológicos ou químicos, sendo que aqueles que causem câncer, doença potencialmente grave, podem reduzir consideravelmente o tempo para a aposentadoria.
A exposição a tais situações normalmente ocorre em decorrência da natureza do trabalho realizado, como ocorre com frentistas, médicos e demais profissionais diretamente expostos aos riscos químicos, físicos ou biológicos. No caso dos hidrocarbonetos aromáticos, no entanto, quando há sua presença no ambiente de trabalho, até mesmo outras áreas não tão ligadas à operação direta podem ser afetadas. A exposição ao benzeno é considerada para fins de aposentadoria por tempo especial, até mesmo a trabalhadores de setores administrativos.
A aposentadoria por tempo especial se dá para o segurado que comprove ter trabalhado submetido a condições que importem em risco à saúde. O tempo para a obtenção do benefício será, então, reduzido para 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de contribuição. Para a obtenção de tal benefício, a exposição efetiva, não eventual e nem intermitente a agentes nocivos à saúde (químicos, físicos ou biológicos), deve ser comprovada pelo empregado[1]. No caso de certos agentes, “a simples exposição revela-se prejudicial à saúde, consoante critérios qualitativos fixados na legislação.”[2], sendo que “a nocividade é presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho”[3].
Como exemplo, aponta-se o que consta no § 4º, do artigo 68, do Decreto 3.048/1999, que prevê que os “agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador.”. Ou seja, demonstrada a presença de tais agentes no ambiente de trabalho, como os cancerígenos, é cabível o reconhecimento do tempo especial independentemente do grau de exposição, eis que esta é presumida.
Assim sendo, se o agente a que está exposto o trabalhador é reconhecidamente cancerígeno, a análise para o reconhecimento do tempo para fins de aposentadoria por tempo especial deverá ser qualitativa. Nesse sentido, “a exposição a hidrocarbonetos aromáticos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Desnecessária a análise quantitativa de concentração ou intensidade de agentes químicos no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa”[4].
Em 2014 o MTE editou a Portaria Interministerial 9, publicando a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, a qual arrola uma série de produtos químicos e, dentre eles, o benzeno, constando no Grupo I, isto é, classificando-o como “Carcinogênicos para Humanos”. O benzeno é um composto comprovadamente cancerígeno para humanos, classificado como Grupo 1 da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) desde 1979, com base em evidências suficientes de que causa leucemia. Tal condição é oficialmente reconhecida pelo Ministério do Trabalho desde a edição da Portaria do n. 14, de 20 de dezembro de 1995, que alterou a redação do Anexo 13 da NR 15, e incluiu o Anexo 13 – A, para tratar das atividades em empresas que produzem, transportam, armazenam, utilizam ou manipulam benzeno.
Para se verificar um exemplo próximo da Capital gaúcha, cita-se o parecer técnico formulado pela FUNDACENTRO ao analisar a situação do polo petroquímico do Município de Triunfo/RS, e que instrui o Inquérito Civil Público n° 1.29.000.000814/2007-55 instaurado pelo Ministério Público Federal.
Reproduz-se trecho do mesmo:
“Cabe destacar que as empresas não reconhecem como áreas de riscos as que são estritamente administrativas embora fiquem em locais próximos às áreas produtivas. Avalia-se que isso se deve a uma equivocada interpretação dos requisitos do PPEOB que constam no anexo 13A. O PPEOB deve ser complementar ao PPRA. Assim, no PPRA está previsto que devem ser identificadas todas as áreas de risco de exposição a agentes tóxicos. A possível presença de benzeno - sendo um agente muito tóxico e cancerígeno para o qual não há limite de exposição segura - deveria também ser reconhecida nestas áreas, tendo em vista a emissão ambiental deste agente no meio ambiente fabril.
Repete-se aqui o que já destacado acima: a proteção respiratória apenas minimiza o risco e não o elimina. (...)”
E, em sede de conclusão:
“A BRASKEM cadastrou aproximadamente 115.000 pontos possíveis de emissões fugitivas na planta.
Estas emissões são, na realidade, perda de produtos para o meio ambiente. Assim, pode-se avaliar que as emanações de benzeno destas fontes que estão no meio ambiente de trabalho expõem todos os trabalhadores que por ele transitam.
(...)
Comparando ainda os teores de benzeno encontrados pelas duas empresas em número significativo de resultados de avaliações de grupos homogêneos de exposição assim como de emissões fugitivas, com os valores usuais em exposições não ocupacionais, verifica-se que os encontrados nas empresas são bem maiores, o que caracteriza exposição ocupacional, de acordo com o item 4.1.2 da Portaria n°776/GM de 28 de abril de 2004 do Ministério da Saúde.
A exposição é independente da atividade específica executada pelo trabalhador, embora algumas delas podem expô-los a concentrações mais elevadas do que aquela difusa pelo ambiente.
Assim, a partir destas colocações, pode-se concluir que o trabalhadores que trabalham em empresas que produzem, transportam, armazenam utilizam ou manipulam benzeno e suas misturas líquidas, mesmo contendo menos do que 1% de benzeno, estão expostos a concentrações deste produto em teores acima aos do meio ambiente fora do espaço fabril, inclusive executando atividades não diretamente ligadas aos setores contendo benzeno. Este produto encontra-se disperso no ar por todo o ambiente fabril. Desta forma a utilização de equipamentos de proteção individual e medidas de natureza coletiva pelas empresas não eliminam ou- como de forma equivocada é atribuído aos EPIs - neutraliza, a exposição dos trabalhadores ao benzeno, apenas podem minimizar o risco. “
O parecer da FUNDACENTRO foi elaborado para instruir Inquérito Civil Público instaurado pelo MPF, já tendo servido de balizador para ações do MPT e de outros órgãos estatais junto à empregadora para a averiguação de descumprimento das normas de segurança do ambiente do trabalho. Trata-se de análise profunda e completa do local de trabalho em questão, que deve ser considerada para o reconhecimento da exposição ao agente nocivo. Como destacado pelo parecer, o benzeno está disperso por todo o ar do ambiente fabril, inclusive os setores administrativos, não havendo nível de exposição segura para esse agente tóxico e reconhecidamente cancerígeno. Ressalta o parecer, ainda, que alguns empregados podem estar mais expostos do que outros; porém, a mera presença do benzeno é nociva, insuscetível de ser aplacada a sua nocividade pelo uso de EPIs, e, como é volátil, está presente no ar de toda a planta fabril.
Portanto, haja visto o risco à saúde e integridade física com a mera exposição ao benzeno, revela-se desnecessário perquirir o nível de concentração do agente químico no local, tratando-se do caso de se fazer uma análise qualitativa do risco.
Diante de tal realidade, há decisões que reconhecem o tempo especial inclusive para trabalhadores de áreas inusitadas, como por exemplo o caso em que se verificou o direito ao tempo especial de empregado da CORSAN, que laborava no SITEL (Sistema Integrado de Tratamento de Efluentes Líquidos). Trata-se de complexo que fica próximo ao polo petroquímico, em que se reconheceu a presença, ainda que não detectável, do agente benzeno inclusive nas áreas administrativas, dando azo ao reconhecimento do tempo especial aos trabalhadores desses setores.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. BENZENO. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL. ART. 57, §8º DA LEI 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço especial deve ser reconhecido. 2. A informação de fornecimento de equipamentos de proteção individual pelo empregador, por si só, não é suficiente para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo, no caso concreto, ser demonstrada a efetiva, correta e habitual utilização desses dispositivos pelo trabalhador. 3. Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, tal como o benzeno, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes. Inteligência do art. 284, parágrafo único, da IN 77/2015 do INSS. 4. Cumprida a carência e demonstrado o exercício de atividades em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante o período exigido pela legislação, faz jus a parte autora à transformação do benefício atualmente percebido em Aposentadoria Especial. 5. A Corte Especial deste Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do §8º do art. 57 da LBPS (IAC 5001401-77.2012.404.0000), sendo assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício. 6. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5080308-67.2016.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 15/08/2019)
No inteiro teor da decisão, ficou assentado que o estudo da FUNDACENTRO “não faz distinção entre trabalhadores de áreas operacionais ou administrativas, evidenciando que os efeitos nocivos da exposição ao benzeno alcançam todos os que exercem suas atividades no SITEL.”.
Em outro caso concreto, analisou-se situação similar, em que o empregado trabalhou há muito tempo no local (antes de 1998), quando as condições de contenção da substância possivelmente eram ainda mais precárias do que as encontradas em 2010 pelos profissionais da FUNDACENTRO. Ou seja, no caso, a exposição deveria ser ainda maior do que a que um trabalhador atualmente encontra na planta em questão, dada a evolução das normas de proteção ao trabalhador e em face das inovações tecnológicas[5].
Desta feita, é possível concluir que, estando o trabalhador exposto a agentes carcinogênicos, dentre eles o benzeno, será reconhecido o tempo especial de trabalho para fins de aposentadoria após avaliação qualitativa. Ainda, não se afasta a exposição em virtude do uso de Equipamentos de Proteção Individual ou por conta do setor de trabalho quando o ambiente todo está sujeito à presença do agente, podendo ser alcançado até mesmo o empregado que trabalhou em setores administrativos, distantes das fontes de emissão. Tais entendimentos visam, sobretudo, garantir ao segurado uma forma de compensar o tempo de trabalho realizado em condições que degradam sua saúde, a fim de que atinja a aposentadoria mais cedo, preservando assim a sua integridade.
[1] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito previdenciário. 20. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. n.p. [2] ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. n.p. [3] AMADO, Frederico. Curso de direito e processo previdenciário. 12. ed. Salvador: Juspodivium, 2019. p. 639. [4] (TRF4, APELREEX 0011460-20.2014.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 24/10/2017) [5] (...) 2. Quanto aos agentes químicos descritos no Anexo 13 da NR 15, é suficiente a avaliação qualitativa de risco, sem que se cogite de limite de tolerância, independentemente da época da prestação do serviço, se anterior ou posterior a 02/12/1998, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial. Ao contrário do que ocorre com alguns agentes agressivos, como, v.g., o ruído, calor, frio ou eletricidade, que exigem sujeição a determinados patamares para que reste configurada a nocividade do labor, no caso dos tóxicos orgânicos e inorgânicos, a exposição habitual, rotineira, a tais fatores insalutíferos é suficiente para tornar o trabalhador vulnerável a doenças ou acidentes (TRF4, AC 5018266-21.2017.4.04.7205, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 08/04/2019)
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